sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Agência Norte-Americana de Combate às Drogas (DEA) acusa formalmente o chefe de estado-maior das Forças Armadas guineenses de conspiração narcoterrorista.



Washington (GBissau.com, 18 de Abril de 2013)
 Num press release tornado público hoje na capital Washington, António Indjai é identificado como o co-conspirador de um plano que prévia a intermediação das Forças Armadas guineenses num negócio de armas, nomeadamente mísseis terra-ar, para a guerrilha colombiana das FARC, que os EUA consideram de uma organização terrorista estrangeira.

António Indjai é indiciado de se ter para o efeito usado do seu poder e funções, para envolver o estado e as instituições guineenses num negócio de tráfico de armas – venda de mísseis terra-ar para uma organização terrorista estrangeira e narcoterrorismo e de conspirar para importar drogas para os Estados Unidos.

A “acusação de hoje reflecte o compromisso da DEA para garantir a segurança da nossa nação e proteger os nossos cidadãos”, disse administradora da DEA Michele M. Leonhart. Para ela, “essas acusações revelam como Indjai e o seu regime de terror têm ameaçado a segurança nacional dos EUA, do seu próprio país, e de todo o globo”.

Para a DEA, como chefe das Forças Armadas da Guiné-Bissau, António Indjai “teve acesso privilegiado aos instrumentos do poder nacional que fez dele uma figura significativa no comércio de drogas perigosas para a África Ocidental”.

O comunicado da DEA sublinha a parceria do alto oficial guineense com indivíduos que ele acreditava serem parte de uma organização terrorista como as FARC, o que terá permitido a Indjai “a expansão das suas actividades criminosas, com danos” imprevisíveis.
Assim, a DEA diz ter tomado uma acção decisiva contra “este narco-terrorista” [António Indjai] e a sua rede de facilitadores”.

E nas palavras da Procuradora dos Estados Unidos para o Distrito Sul de Nova York, Preet Bharara, “tal como acontece com tantos funcionários supostamente corruptos, Indjai vendeu a si mesmo, usando o seu país por um preço”.

As acusações contra Indjai, juntamente com as recentes prisões dos seus alegados “co-conspiradores, desmantelaram uma rede de supostos narcoterroristas”, revela a DEA.
Sobre o general António Indjai recaem as seguintes acusações:
  1. Uma acusação de conspiração para se envolver em narco-terrorismo;
  2. Uma acusação de conspiração para distribuir cinco ou mais quilogramas de cocaína, sabendo ou pretendendo que a mesma seja importada para os Estados Unidos;
  3. Uma acusação de conspiração para fornecer apoio material e recursos para uma FTO (organização terrorista internacional);
  4. Uma acusação de conspiração para adquirir e transferir mísseis antiaéreas.
Recorde-se que as mesmas acusações recaem sobre Mamadi Mané e Saliu Sissé, outros detidos recentemente no âmbito da operação encoberta da DEA. Fazem também parte da lista dos detidos — mas com acusações diferentes — o antigo chefe da Marinha guineense, Bubo Na Tchuto, e cidadãos Papis Djemé e Tchamy Yalá.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Passagem de Bubo Na Tchuto por Cabo Verde: Um caso de polícia com contornos diplomáticos

A passagem do almirante guineense Bubo Na Tchuto por Cabo Verde, sob custódia dos EUA (Estados Unidos da América), na semana passada, foi considerada por José Maria Neves como um simples “caso de polícia”, não tendo o Estado cabo-verdiano nada a ver com o assunto. Diplomatas e juristas entendem que não é bem assim. O caso é também político e diplomático.

As autoridades cabo-verdianas só souberam que José Américo Bubo Na Tchuto constava do grupo dos detidos da DEA (Agência Americana de Luta Contra a Droga), quando aquele ex-militar bissau-guineense já se encontrava nos EUA, depois de passar pela ilha do Sal. A informação foi revelada ao A NAÇÃO por uma fonte bem situada, tendo a operação sido classificada pelo primeiro-ministro como um simples caso de polícia.

Conforme explicou José Maria Neves, a participação de Cabo Verde no caso limitou-se ao apoio no trânsito pelo arquipélago às autoridades norte-americanas, uma vez que a detenção de Bubo Na Tchuto e seus pares aconteceu em “águas internacionais” perto de Cabo Verde.

Conduzido ao porto da Palmeira, na ilha do Sal, os detidos foram conduzidos ao aeroporto Amílcar Cabral, onde seguiram num avião norte-americano para os EUA. Neste país os visados respondem por vários crimes, nomeadamente, tráfico de droga e de armas, homicídio, terrorismo, entre outros.

À primeira vista, tratou-se de uma operação semelhante ao resgate do navio russo Artic Sea, em 2009, quando essa embarcação foi sequestrada na Europa e recuperada depois perto de Cabo Verde pelas autoridades do seu país, os tripulantes e os sequestradores conduzidos à ilha do Sal, de onde rumaram para a Rússia.

Tirando as declarações do PM, e uma outra do presidente Jorge Carlos Fonseca, afirmando-se desconhecedor do caso, nenhum outro comentário oficial foi produzido.

Abordado também pelo A NAÇÃO, José Filomeno Monteiro, membro da Comissão Politica e responsável pelas Relações Externas do MpD, alega desconhecer os pormenores para tecer qualquer comentário sobre o assunto.

“A nossa posição oficial é de condenação a todo o tipo de tráfico e criminalidade internacionais. Entendemos, com base nisso, que todos os acusados devem ser julgados e condenados, se disso for o caso. Mais do que esta declaração de princípio nada mais temos a dizer uma vez que as informações de que dispomos são escassas. Em nenhum momento fomos consultados ou informados, oficialmente, sobre o que se passou”.

CÚMPLICE DOS EUA

O envolvimento de Cabo Verde na prisão e extradição de Bubo Na Tchutu é, entretanto, alvo de questionamento por vários observadores e analistas locais. Antes de mais, entendem que se trata de mais do que um simples caso de polícia, como pretendeu fazer crer o primeiro-ministro.

Para um jurista, “embora não tenha nenhuma simpatia por esses traficantes”, tratou-se, para todos os efeitos, de uma “cilada” montada a Bubo Na Tchutu, num quadro pouco claro e que no fim contou com a “colaboração” de Cabo Verde. “Ora, do ponto de vista legal, isso não é correcto; e Cabo Verde, ao permitir que o navio com os detidos escalasse o seu território, acabou por ser cúmplice dos EUA”.

Para a mesma fonte, a prisão daquele ex-oficial guineense pode até ser um “caso de polícia”, só que “os EUA não são a polícia do mundo”. “Até porque não consta que a DEA tenha agido com um mandato das Nações Unidas”, argumenta ainda.

Sabendo que Bubo corre agora o risco de ser condenado à prisão perpétua, sendo que a ordem jurídica cabo-verdiana é contra esse tipo de pena, o mesmo jurista pergunta: “Se os EUA decidirem vir buscar um cabo-verdiano como fizeram com essa gente, o caso deixa der ser de polícia?”

PROBLEMAS

O constitucionalista e professor de direito Wladimir Brito, residente em Portugal, entende que a prisão de Bubo na Tchutu não constitui, propriamente, um “caso diplomático”.

De todo o modo, evocando o artigo 108 da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, aquele jurista alerta que existe um dever de cooperação na repressão do tráfico de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, imposto a todos os estados membros das Nações Unidas.

“A questão é a de saber qual a bandeira do navio que transportou o almirante Bubo, se esse navio é ou não um navio público norte-americano e em que circunstâncias foi feito o aprisionamento – no alto mar? Foi aprisionado no barco que transportou o almirante da Guiné para o encontro? É preciso não esquecer que o almirante guineense chegou ao Sal de barco. Que barco foi? De quem era?”

Para WB, essas são questões que o Governo de Cabo Verde devia ter conhecimento prévio, posto que o dever de cooperação “é entre Estados”, pelo que o aprisionamento, a ser feito tem de acontecer “com respeito pelas regras do Direito internacional”. No que conclui: “Se tudo correu legalmente, Cabo Verde cumpriu o seu dever de cooperar permitindo o trânsito do prisioneiro para o país de captura do barco do traficante”.

Ainda de acordo com WB, no caso da semana passada importa saber “se a prisão foi realmente em águas internacionais, como se está a dizer, ou se em águas territoriais de um dado país, por exemplo Cabo Verde. Se a prisão foi nas águas de Cabo Verde, as autoridades americanas só poderiam agir mediante a autorização prévia das autoridades cabo-verdianas ou, quanto muito, a prisão teria de ser executada ou coordenada pela polícia cabo-verdiana”.

DIMENSÃO DIPLOMÁTICA

Retomando o aspecto diplomático, Wladimir Brito (WB) entende que aqui o problema coloca-se sobretudo entre as autoridades da Guiné-Bissau e dos EUA, já que, entre os detidos, constam nacionais guineenses presos em situação pouco clara.

Da parte de Cabo Verde, WB afirma: “Acreditando naquilo que foi dito, a passagem por Cabo Verde foi uma escala meramente técnica. E, sendo assim, podemos estar diante de um mero caso de polícia americana com pedido de passagem pelo território cabo-verdiano”.

E, se isso aconteceu realmente, entende WB que o problema não deixa de ter uma certa “dimensão diplomática”, isto “tendo em conta que os EUA pediram às autoridades cabo-verdianas para passarem por Cabo Verde, e esse pedido só pode ter acontecido por via diplomática”.

Para o futuro, WB entende que diante de pedidos do género, a Cidade da Praia deve sempre perguntar quem são os indivíduos presos e a transitar pelo seu território. “Até para saber se há ou não nacionais seus  entre os detidos. Suponhamos que houvesse algum cabo-verdiano no meio, ele correria agora o risco de ser condenado à prisão perpétua, quando a nossa Constituição não admite a prisão perpétua. Neste caso como é que seria?”, pergunta.

Por último, WB recusa qualquer semelhança entre caso da semana passada e o sequestro do Artic Sea e explica: “No caso do navio russo toda a gente sabia quem eram os seus proprietários e quem eram os seus tripulantes, sendo que o navio foi tomado de assalto por desconhecidos em mar alto; tratou-se, portanto, de um claro caso de pirataria. E no caso da semana passada é tudo muito confuso, desconhece-se qual era o barco, qual o seu pavilhão, quem eram os seus tripulantes, etc. Ainda por cima, dizer que a prisão aconteceu em águas internacionais não significa nada, do ponto de vista do direito internacional”. Jornal 'A Nação/Cabo Verde