sábado, 12 de setembro de 2009

Brasil é o principal ponto de passagem do narcotráfico para África

Brasília - África é uma prioridade brasileira, estabeleceu o presidente Lula da Silva, consequentemente o combate ao narcotráfico no continente africano tornou-se também numa prioridade da Policia Federal brasileira que privilegia a cooperação com os países lusófonos.

«Hoje o narcotráfico já não é como antes» dizem em Bissau e na Praia, Cabo Verde, fazendo alusão ao período em alguns nacionais enriqueciam subitamente e «mostravam que eram ricos, com grandes casas novas e luxuosos carros a brilhar, comprados com o dinheiro da droga». Aviões aterravam misteriosamente no interior da Guiné-Bissau, e portos marítimos cabo-verdianos recebiam contentores com estranhas mercadorias enquanto luxuosas moradias nasciam num ritmo desenfreado.

Em África, particularmente na Guiné-Bissau e Cabo Verde, a opinião geral considera que o narcotráfico «quase desapareceu», e hoje é história de um passado recente, por vezes ainda introduzido nos discursos políticos.

Apenas num ponto são unânimes, quando designam a origem do narcotráfico, África subsaariana não é produtora de cocaína, mas sim uma plataforma de um «tráfico importado da Colômbia e do Brasil».

Luiz Cravo Dórea, coordenador-geral de repressão a entorpecentes na directoria de combate ao crime organizado da Polícia Federal brasileira, em entrevista à PNN reconheceu que «a maior parte da droga que vai para África passa pelo Brasil», mas sublinha que «o Brasil não produz cocaína», apenas produz «maconha» (liamba) e de fraca qualidade «não exportável».

Dados da ONU apontam para 845 toneladas o volume de produção mundial de cocaína. Através do Brasil transitam cerca de 80 toneladas, metade fica no país para «consumo interno» e a segunda metade parte para o exterior, principalmente para o «mercado» europeu.

Todavia, o Brasil «é de facto um país de trânsito do narcotráfico, confirma Luiz Cravo Dórea, e África é o continente de predilecção dos traficantes mas também a opção mais dispendiosa, devido à necessidade de aplicação de uma logística mais complexa para o reencaminhamento das drogas para a Europa e utilização de mais intermediários. As acções das polícias nacionais e internacionais obrigam também os narcotraficantes a inovarem constantemente as rotas da droga. Todavia, a instabilidade e insegurança de vários Estados africanos torna-se num factor de «segurança» para os traficantes, justificando assim o investimento e a utilização de meios colossais que resultam em benefícios proporcionais.

Para o responsável da Polícia Federal «Cabo Verde e Guiné Bissau ainda são as principais plataformas do tráfico de cocaína que transita para Europa por via aérea, no entanto, realça, o transporte marítimo continua a ser o meio privilegiado dos traficantes. «O que mudou foi a metodologia operacional dos narcotraficantes.»

Menos mediatizada que Cabo Verde e a Guiné-Bissau, é a rota do narcotráfico no eixo Angola, África do Sul, Republica Democrática do Congo, considerada pela Polícia Federal como uma «rota antiga». Investigações da Policia Federal revelaram que esse tráfico é desenvolvido por via aérea, a partir do Brasil, através de companhias aéreas nacionais que efectuam voos directos regulares para o continente, no entanto a via marítima continua a garantir aos traficantes um transporte quantitativamente superior e «seguro».

Do Brasil, «em termos quantidade de droga transportada por via aérea, Angola está em primeiro lugar como país receptor, seguida pela África do Sul. A Guiné-Bissau é o líder na recepção por via marítima» através de navios que partem dos portos brasileiros do Ceará, Santos e Paranaguá.

A Polícia Federal tem conseguido «eliminar algumas redes», mas, «é humanamente impossível travar o tráfico de droga de uma maneira absoluta. O Brasil tem mais 7.400 km de faixa marítima, um controlo absoluto da costa é impossível». De Santos, maior porto da marinha mercante na América Latina, por mês são despachados 150 mil contentores e apenas é possível controlar um a dois por cento.

Para travar o fluxo e trânsito do narcotráfico no país a Polícia Federal estabeleceu acordos com os «principais produtores» de cocaína na América Latina (Colômbia, Paraguai, Peru e Bolívia), e substituiu a DEA (Drug Enforcement Administration) na Bolívia quando, por motivos políticos, o Governo de La Paz decidiu «expulsar» do país a organização estatal americana de combate ao narcotráfico.

Na cooperação internacional no combate ao narcotráfico, «a nossa atenção vai para os países da África Ocidental», confirma o responsável da Polícia Federal. «Já começamos a formar polícias africanos, de São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Angola e Cabo Verde, nas nossas academias, ou seja privilegiamos os países da CPLP» e neste âmbito «estamos dispostos também a desenvolver a criação de uma academia de polícia na Guiné-Bissau, mas a Europa também terá de participar». Em 2010 a Policia Federal prevê aumentar a cooperação técnica de capacitação policial em África sobretudo no campo da legislação contra lavagem de dinheiro, uma área vital na mecânica do narcotráfico.

A lavagem de capitais está directamente associada aos gigantescos benefícios gerados no comércio da cocaína que seduzem o continente africano onde a maioria da população vive diariamente com 70 cêntimos de euro. Um quilo de pasta base de cocaína, pura, é adquirido num país produtor, como a Bolívia, por cerca de 800 dólares, que gera 6 mil dólares no Brasil e 30 mil na Europa. Não é assim necessário um grande investimento para iniciar uma «micro rede». No Brasil 90 por cento do tráfico já é garantido por micro carteis por vezes compostos por apenas um ou três traficantes, uma mutação estrutural já exportada para África e desenvolvida por nacionais.

Na Guiné-Bissau e em Angola surgiram múltiplos ‘negócios de fachada’, criados oficialmente por nacionais e estrangeiros», que na realidade são autênticas filiais dos carteis colombianos geridas por nacionais formados pelos «barões. Mudando assim a face dos traficantes.

O exemplo do Brasil é flagrante. «Os traficantes estrangeiros que mais se destacavam no país eram os nigerianos. Hoje ainda são dominantes no ‘mercado’ em São Paulo, mas deixaram de utilizar os seus compatriotas como «mulas» (pessoas que transportam as drogas). Agora o transporte é particularmente garantido por brasileiros e europeus brancos... mesmo nos destinos para África» sublinhou Luiz Cravo Dórea.

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