Daba Na Walna, ao 'Público': «António Indjai é o chefe do Estado-Maior. Esse é o papel dele»
Daba Na Walna, porta-voz dos militares que tomaram o poder na
Guiné-Bissau nega ligação ao candidato Kumba Ialá. E justifica prisão do
primeiro-ministro, Gomes Júnior, como forma de evitar que seja morto.
Tenente-coronel, mas também jurista, doutorando na Faculdade de Direito
de Lisboa, Daba na Walna, 46 anos, é o rosto do denominado Comando
Militar que fez o golpe de 12 de Abril em Bissau. Numa entrevista
telefónica, quarta-feira à tarde, disse que os militares nada têm a ver
com o futuro político do primeiro-ministro e candidato presidencial,
Carlos Gomes Júnior. “O que dissemos é que não nos crie complicações,
que não nos mande forças estrangeiras secretamente.” Questionado sobre o
papel de António Indjai, chefe de Estado-Maior, na acção golpista,
afirma: “Que eu saiba não é membro do Comando”.
PÚBLICO: Qual o resultado dos contactos que o comando militar manteve
nos últimos dias com a comissão da CEDEAO (Comunidade Económica dos
Estados da África Ocidental) que esteve em Bissau?
Daba Na Walna: Era uma comissão técnica, veio discutir questões
relativas à retirada das tropas angolanas, modalidades dessa retirada.
Não chegámos a consenso sobre alguns aspectos, nomeadamente o envio de
uma força da CEDEAO composta por 600 homens para supervisionar a
retirada das tropas angolanas. Entendemos que decidir sobre o envio de
forças ultrapassa a nossa competência como militares. Assim que um
Governo for formado, poderá tomar decisões. [Indicámos] o Parlamento,
para falarem com o presidente da Assembleia, a única entidade ainda a
funcionar. Disseram-nos que não tinham mandato para falar com políticos,
que careciam de autorização. Estamos a aguardar.
Como é que vão sair desta situação? Há um isolamento internacional.
Por via negocial. Há uma janela que foi aberta pela CEDEAO. E que eu
saiba o Conselho de Segurança [da ONU] remeteu o processo de negociações
para a CEDEAO. Vamos esperar. Seguramente vão mandar uma equipa técnica
para discutir connosco e com a classe política modalidades de saída
para a crise.Que passaria pelo envio de uma força liderada pela CEDEAO. Isso seria aceitável para vocês?
Nós não nos opusemos à vinda de tropas que viessem supervisionar a
retirada das tropas angolanas. Nem dissemos que sim. Dizemos tão só que
não temos competência para decidir sobre essa matéria. Um eventual envio
de força será decidido pelo governo a formar a partir da solução
encontrada conjuntamente com a CEDEAO.
Há dias disse que uma força internacional seria entendida como invasora. Há uma mudança de posição.
Estamos a dizer que depois de formado Governo, se se chegar à conclusão
que se adequa o envio de uma força e o Parlamento aprovar, se as
instituições da República aceitarem, quem somos nós para negar? O que
dissemos na altura foi que o envio unilateral que Angola tentava
conseguir, sem ser decidido com as entidades políticas da Guiné, seria
uma invasão. Nas palavras de George Chicoty [ministro das Relações
Exteriores de Luanda] devia ser uma espécie de terapia para a Guiné. Se
as entidades políticas chegarem à conclusão que devem aceitar, se o
Parlamento concluir que deve aceitar está bem. O que dissemos a Carlos
Gomes Júnior, relativamente ao pedido que formulou [para o envio de uma
força internacional] foi que devia ter discutido isso no Parlamento e em
Conselho de Ministros. Em Portugal, Cavaco Silva ou Passos Coelho não
podem mandar ir forças sem que isso seja discutido em Conselho de
Ministros nem aprovado no Parlamento. Foi só o que dissemos.
Mas devido ao golpe, as instituições, designadamente o Governo, não estão em funções. Qual é justificação, afinal, para o golpe?
Já disse, e voltei a repetir agora, que foi acarta secreta que foi
escrita a mandar vir forças estrangeiras para dar uma terapia adequada
às Forças Armadas da Guiné. O senho no meu lugar aceitaria isso?
Tentaria actuar em legítima defesa.
Acredita mesmo que existia um acordo entre os governos da Guiné e de Angola para “aniquilar” as Forças Armadas guineenses?
Eu não disse que acredito que há. Eu disse que há uma carta escrita.
Esta carta, está confirmado, existe.O golpe interrompeu o processo
eleitoral para as presidenciais. Houve articulação com candidatos? Há
alusões a uma articulação com Kumba Ialá [segundo mais votado na
primeira volta, atrás de Gomes Júnior].
Isso são especulações. Que eu saiba, não há nenhuma ligação ao dr. Kumba
Ialá, nem há razão para haver. Não actuamos por encomenda.
Não lhe parece que a melhor solução seria o retomar do processo eleitoral e os militares regressarem às casernas?
Não tenho nada contra. [Sobre isso] não dissemos nada. Dissemos é que
somos contra o envio das forças para aqui. Quanto ao processo eleitoral
caberá aos políticos decidirem o que acharem correcto.
O comando militar não se opõe à continuidade do processo eleitoral?
É um assunto político, não compete aos militares.
Relativamente ao primeiro-ministro, há uma intransigência, uma rejeição.
R - Rejeição em que sentido?
Gomes Júnior foi detido. Há oposição a que volte a exercer funções.
Ninguém diz isso. Não temos nada a ver com o futuro político de Gomes
Júnior. Como empresário, se quiser continuar a sua vida empresarial [que
continue]. Como político que o faça, dentro do PAIGC. O que dissemos, é
que não [queremos que] nos crie complicações, que não nos mande forças
estrangeiras secretamente. Se tiver que fazer isso que o faça obedecendo
à Constituição e às demais leis da República.
Não há oposição a que retome a actividade política?
Isso é uma questão política que será discutida. Não connosco. Com Gomes
Júnior, com o seu partido, com os políticos da oposição, não com os
militares. Não temos nada a ver com a sua vida política. É um cidadão e
tem liberdade de fazer política.
Não há oposição à sua acção como primeiro-ministro? Está detido por alguma razão.
Está detido porque senão levaria avante o seu projecto de vinda das tropas.
Por que não é agora libertado?
Não temos condições para o libertar. Não há governo com capacidade para
garantir segurança. Logo que seja criado, e haja um ministro do
Interior, nós o faremos. O senhor não está cá não sabe. [Há] uma onda de
contestação a Carlos Gomes Júnior, ele terá morto muita gente,
politicamente encomendou alguns assassinatos. Não sou eu quem o diz, é a
ala do PAIGC [Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde,
do Governo afastado pelos militares] que entrou em confrontação com a
ala apoiante dele. Se libertarmos agora Carlos Gomes Júnior, imagine que
[alguém] aproveitava a oportunidade para o matar. Quem é que seria
responsável? Não seríamos nós? Está sob nossa custódia, mas assim que
for formado Governo será imediatamente libertado.
Qual é a situação dos detidos, do primeiro-ministro e do Presidente
interino, Raimundo Pereira? Houve informações de que Gomes Júnior foi
torturado.
É mentira. A Cruz Vermelha já disse que não há tortura, mas a imprensa gosta de mentiras.
Estão a ser-lhe fornecidos medicamentos?
Estão. A Cruz Vermelha já foi visitar Gomes Júnior três ou quatro vezes.
Ninguém tortura ninguém. Ouvimos dizer na imprensa que foi visto aqui a
sangrar. Foi dito que esteve connosco na negociação com a CEDEAO. Este
país é um país de intrigas e a imprensa vem apanhar as mentiras que
circulam por aí. É falso.
Quantas pessoas estão detidas?
Apenas três [o Presidente interino, o primeiro-ministro e o secretário
de Estado dos Antigos Combatentes, Fodé Cassamá]. Ouço falar em centenas
ou dezenas de pessoas detidas, perseguidas, intimidadas. Aqui em Bissau
as pessoas organizam manifestações, a imprensa fala abertamente contra o
golpe, a imprensa fala mal dos militares. Limitamo-nos a ouvir e a
calar. Isto não é nenhum estado de repressão. Tentamos manter o mais
amplo possível leque de liberdades fundamentais. O que fizemos foi uma
legítima defesa.Foi anunciado um conselho de transição. Chegou a ser
avançado um nome para Presidente de transição, Serifo Nhamadjo.
Tanto quanto se sabe não foram nomeados. Houve mudança de planos?
São especulações, são cogitações hipotéticas.
As nomeações, os nomes, são cogitações?
Não houve nomeação coisíssima nenhuma. Nós temos um compromisso com a
CEDEAO. Estamos à espera para poder apresentar a nossa proposta, a
proposta a que os partidos aqui chegaram. Mas a CEDEAO poderá também
apresentar uma proposta para ser discutida, para se encontrar
consensualmente uma saída airosa para esta crise. Não há nada decidido
sobre a formação de Governo nem...
Os nomes referidos para Presidente e para o conselho de transição
como é que apareceram? Que não foram nomeados é público. Não houve
sequer convites?
Isso corre por conta de quem lançou boatos. Quando um jornalista lhe
perguntou se fala na qualidade de Presidente de transição ou como
presidente interino da Assembleia, Serifo Nhamadjo disse que não foi
empossado nem ninguém o convidou para esse cargo.
Não é verdade que esses nomes foram ponderados?
Não. Pode ser uma das hipóteses por aí levantadas, mas em definitivo,
como disse, nós estamos à espera da CEDEAO. Como poderíamos avançar com
propostas e nomes se a CEDEAO não está aqui? Nesta altura quem assume o
dossier Guiné-Bissau é a CEDEAO, não há nada decidido.
O senhor tem dado a voz, dado a cara. É o rosto do golpe. É também o líder?
Eu sou porta-voz.
Quem é o líder?
O líder é o Comando.
O Comando Militar. Que é também o Estado Maior das Forças Armadas, correcto?
Tem a liberdade de fazer a interpretação [que quiser]. Eu disse o
Comando, agora o senhor quer expandir para chegar ao Estado-Maior.
Estou a pedir-lhe que clarifique.
Estado-Maior é uma coisa, Comando é outra. Não há confusão. Já disse que é o Comando é o papel do tenente-general António Indjai?
Aonde, ao nível do Comando?
Sim, sim.
Que eu saiba, não é membro do Comando.O senhor saberá.
Ele é chefe do Estado-Maior. Esse é o papel dele.
E está em funções? Chegou a ser dito que estava sob detenção.
Até agora não foi nomeado novo chefe do Estado-Maior. É ele o chefe de Estado-Maior.
PÚBLICO
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